Milícia explora até transporte aquaviário em comunidades da Zona Oeste

O transporte sem regulamentação nas águas poluídas das lagoas da Tijuca e de Jacarepaguá poderá ganhar um concorrente perigoso: a milícia. Os paramilitares que controlam há cerca de 20 anos a região de Rio das Pedras construíram um píer às margens da Lagoa da Tijuca para entrar no negócio com força total, oferecendo aos moradores transporte mais rápido e confortável do que o rodoviário.
Fontes do EXTRA em Rio das Pedras contaram que o píer ficou pronto há cerca de dois meses e que a atividade só não começou por causa do mesmo problema que destrói o meio ambiente e inquieta ambientalistas: o assoreamento do sistema lagunar da região. Naquele trecho da Lagoa da Tijuca, a profundidade pode chegar a menos de meio metro por causa dos dejetos depositados no fundo, o que a deixa sem condições de navegabilidade.
Atualmente, o assoreamento já prejudica o transporte feito por barcos e balsas, mas mesmo assim a atividade continua de vento em popa, e o número de embarcações só vem aumentando com o passar do tempo. A Prefeitura do Rio ainda não regulamentou o serviço e não tem qualquer controle sobre a atividade, que é ilegal. A ausência do poder público no local, acreditam moradores, facilitou a aproximação dos milicianos.
— Foi feito um um orçamento com uma empresa para a dragagem de uma faixa da lagoa. A obra foi orçada em R$ 3 milhões, mas ainda não começou. Talvez por causa das constantes operações que têm sido feitas pela Polícia Militar e pela Polícia Civil aqui (contra a milícia) — lamentou um morador, que não se identificou.
Para ele, a milícia foi a pior coisa que aconteceu para a comunidade de Rio das Pedras e região. O morador acredita que, mesmo que os criminosos consigam passar a explorar o transporte aquaviário nas lagoas, poderão encontrar resistência por parte dos passageiros, apesar de o mesmo não acontecer com o transporte de vans, também explorado por milicianos na Zona Oeste.
— A maioria dos moradores não tolera isso aqui. Muita gente nem vai querer saber disso, mesmo que a viagem até o metrô possa ser feita em apenas dez minutos — disse ele, referindo-se ao hábito que a população local tem de usar os barcos e as balsas para chegar até à estação Jardim Oceânico do metrô, na Barra da Tijuca.
Uma das maiores operações de combate aos grupos paramilitares que atuam na região aconteceu em 25 de setembro deste ano. O comando de Polícia Ambiental da Polícia Militar prendeu 39 pessoas suspeitas na Ilha da Gigóia, no Morro do Banco, na Muzema e em outras localidades nos arredores do Itanhangá. Homens foram flagrados construindo prédios de seis andares, em média. Os apartamentos já haviam sido postos à venda, com várias opções de pagamento, inclusive com projeção de taxas de condomínio.
De acordo com a Polícia Militar, as construções clandestinas não tinham infraestrutura básica como ligação de esgoto, que seria lançado em rios e na Lagoa da Barra.
Além do risco iminente de virem a enfrentar no dia a dia criminosos armados dispostos a tudo para controlar o transporte aquaviário, passageiros e barqueiros vivem às voltas com a própria insegurança da atividade.
Há duas semanas, uma equipe do EXTRA foi até o cais em frente à estação Jardim Oceânico do metrô e constatou: embora as embarcações tenham coletes salva-vidas, nenhum passageiro utiliza o equipamento. E o crescimento da demanda é visível. Ricardo Herdy, diretor da Eco Balsas, que atua no local há dez anos, calcula que transporte diariamente cerca de 3.500 pessoas que moram em condomínios ao longo das lagoas e do Canal de Marapendi.
Indagada sobre o número de embarcações explorando o serviço e se havia algum tipo de regra, a Secretaria municipal de Transportes respondeu, por meio de nota, que o sistema ainda não é regulamentado: “A Secretaria Municipal de Transportes informa que tem feito reuniões com outros órgãos envolvidos no transporte aquaviário no que tange à viabilidade, à regulamentação e à fiscalização do serviço, além de levar em consideração, em seus estudos, fatores ambientais, tendo em vista a complexidade da implementação do sistema”.
O biólogo Mário Moscatelli lembra que um dos legados ambientais olímpicos era a despoluição do Complexo Lagunar de Jacarepaguá.
— O projeto da secretaria de estado visando à dragagem de 5,5 milhões de metros cúbicos de resíduos do sistema lagunar acabou não acontecendo devido a demandas que, depois de sanadas, não foram adiante. O dinheiro existente para a obra, ou parte dela, foi arrestado pela Justiça para quitar a folha de pagamento atrasada do Estado e, dessa forma, o sistema lagunar acabou sendo mais um legado que ficou só no papel.
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