terça-feira, 20 de novembro de 2018

Milícia explora até transporte aquaviário em comunidades da Zona Oeste

Vista aérea de deque contruído pela milícia em Rio das Pedras, na Barra da Tijuca
Vista aérea de deque contruído pela milícia em Rio das Pedras, na Barra da Tijuca Foto: Marcelo Régua
Gustavo Goulart
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O transporte sem regulamentação nas águas poluídas das lagoas da Tijuca e de Jacarepaguá poderá ganhar um concorrente perigoso: a milícia. Os paramilitares que controlam há cerca de 20 anos a região de Rio das Pedras construíram um píer às margens da Lagoa da Tijuca para entrar no negócio com força total, oferecendo aos moradores transporte mais rápido e confortável do que o rodoviário.
Fontes do EXTRA em Rio das Pedras contaram que o píer ficou pronto há cerca de dois meses e que a atividade só não começou por causa do mesmo problema que destrói o meio ambiente e inquieta ambientalistas: o assoreamento do sistema lagunar da região. Naquele trecho da Lagoa da Tijuca, a profundidade pode chegar a menos de meio metro por causa dos dejetos depositados no fundo, o que a deixa sem condições de navegabilidade.
Atualmente, o assoreamento já prejudica o transporte feito por barcos e balsas, mas mesmo assim a atividade continua de vento em popa, e o número de embarcações só vem aumentando com o passar do tempo. A Prefeitura do Rio ainda não regulamentou o serviço e não tem qualquer controle sobre a atividade, que é ilegal. A ausência do poder público no local, acreditam moradores, facilitou a aproximação dos milicianos.
— Foi feito um um orçamento com uma empresa para a dragagem de uma faixa da lagoa. A obra foi orçada em R$ 3 milhões, mas ainda não começou. Talvez por causa das constantes operações que têm sido feitas pela Polícia Militar e pela Polícia Civil aqui (contra a milícia) — lamentou um morador, que não se identificou.
Para ele, a milícia foi a pior coisa que aconteceu para a comunidade de Rio das Pedras e região. O morador acredita que, mesmo que os criminosos consigam passar a explorar o transporte aquaviário nas lagoas, poderão encontrar resistência por parte dos passageiros, apesar de o mesmo não acontecer com o transporte de vans, também explorado por milicianos na Zona Oeste.
— A maioria dos moradores não tolera isso aqui. Muita gente nem vai querer saber disso, mesmo que a viagem até o metrô possa ser feita em apenas dez minutos — disse ele, referindo-se ao hábito que a população local tem de usar os barcos e as balsas para chegar até à estação Jardim Oceânico do metrô, na Barra da Tijuca.
Uma das maiores operações de combate aos grupos paramilitares que atuam na região aconteceu em 25 de setembro deste ano. O comando de Polícia Ambiental da Polícia Militar prendeu 39 pessoas suspeitas na Ilha da Gigóia, no Morro do Banco, na Muzema e em outras localidades nos arredores do Itanhangá. Homens foram flagrados construindo prédios de seis andares, em média. Os apartamentos já haviam sido postos à venda, com várias opções de pagamento, inclusive com projeção de taxas de condomínio.
De acordo com a Polícia Militar, as construções clandestinas não tinham infraestrutura básica como ligação de esgoto, que seria lançado em rios e na Lagoa da Barra.
Além do risco iminente de virem a enfrentar no dia a dia criminosos armados dispostos a tudo para controlar o transporte aquaviário, passageiros e barqueiros vivem às voltas com a própria insegurança da atividade.
Há duas semanas, uma equipe do EXTRA foi até o cais em frente à estação Jardim Oceânico do metrô e constatou: embora as embarcações tenham coletes salva-vidas, nenhum passageiro utiliza o equipamento. E o crescimento da demanda é visível. Ricardo Herdy, diretor da Eco Balsas, que atua no local há dez anos, calcula que transporte diariamente cerca de 3.500 pessoas que moram em condomínios ao longo das lagoas e do Canal de Marapendi.
Indagada sobre o número de embarcações explorando o serviço e se havia algum tipo de regra, a Secretaria municipal de Transportes respondeu, por meio de nota, que o sistema ainda não é regulamentado: “A Secretaria Municipal de Transportes informa que tem feito reuniões com outros órgãos envolvidos no transporte aquaviário no que tange à viabilidade, à regulamentação e à fiscalização do serviço, além de levar em consideração, em seus estudos, fatores ambientais, tendo em vista a complexidade da implementação do sistema”.
O biólogo Mário Moscatelli lembra que um dos legados ambientais olímpicos era a despoluição do Complexo Lagunar de Jacarepaguá.
— O projeto da secretaria de estado visando à dragagem de 5,5 milhões de metros cúbicos de resíduos do sistema lagunar acabou não acontecendo devido a demandas que, depois de sanadas, não foram adiante. O dinheiro existente para a obra, ou parte dela, foi arrestado pela Justiça para quitar a folha de pagamento atrasada do Estado e, dessa forma, o sistema lagunar acabou sendo mais um legado que ficou só no papel.

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